quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Despedimento

Como prometido, aqui fica a história do meu mais recente emprego.

Tudo começou numa 4ª feira, quando estava a tomar café com o GEOcompanheiro "K". Eram cerca das 15 horas quando recebo um telefonema de um ex-director geral de uma ex-empresa em que trabalhei durante uns anos. Foi uma conversa simples, ele disse-me que tinha um amigo noutra empresa que precisava de um geólogo para cerca de 2 meses. Pareceu-me bem, deu-me o número do amigo e lá lhe liguei.

A empresa era (e é) em Linda-a-Velha e combinámos encontro perto das 18.30. Fui a casa a correr fazer a barba, trocar de calças e pôr uns sapatinhos com melhor aspecto que aqueles que tinha. À hora combinado lá estava eu, de barba aparada e com um bocadinho de melhor aspecto que às 15h. A "entrevista" correu normalmente, onde o Engenheiro me disse as funções, a duração da sua proposta e, muito importante, o ordenado. O ordenado era fraquinho, principalmente por ser em recibos verdes, mas como estou em casa sem fazer nada, à espera de notícias de Espanha, decidi arriscar e ir conhecer a execução de perfis sísmicos.

Ficou então combinado, que na 6ª feira seguinte iria para Sines, voltando no mesmo dia, e na 2 semanas seguintes ia para Trás-os-Montes, ainda a fazer ensaios sísmicos.


Sexta feira, às 7h30, lá estava eu na empresa, pronto para o meu primeiro dia de trabalho. Encontrei-me com o LL, que iria ser o meu parceiro. Depois de pormos todo o material dentro de jipe, lá seguimos para o Alentejo, afinal iamos para o pé de Ferreira do Alentejo.


Quando lá chegámos, tinhamos 5 pontos para fazer os ensaios, fomos para o nº5. O LL esteve a explicar-me como se fazia aquilo, o que eu tinha que fazer e lá começámos. O ensaio, basicamente, são 24 GEOfones, a 2,5m de distância entre si, com o sismógrafo no meio e há 5 placas de metal , uma em cada ponta, uma no meio e outras duas entre as restantes placas. E há um gajo que está no sismógrafo a ver se o computador está a receber bem os sinais e outro tem uma martelo na mão (o martelo só de cabo tem cerca de 1 metro, imaginem o peso) e tem que dar 10 marteladas (pelo menos) em cada placa de ferro.


O ponto nº5 correu relativamente bem, foi lento, uma equipa rotinada em média demora uma hora a fazer aquilo, nós demorámos 2h mas o LL só fazia aquilo há 3 semanas e eu era o primeiro dia.


Depois de arrumar tudo seguimos para o ponto nº4. Andámos às voltas e mais voltas, à procura de acesso para o ponto, passámos cercas, passámos por cabras, tive que abrir e fechar cercas que obviamente estavam ali para ninguem entrar e não conseguiamos chegar ao ponto, que era no cume de um monte. Quando demos por nós a olhar para uma cerca que eu lá teria que abrir, chegou uma pick-up com um gajo com ar de "fazendeiro" vestido à tropa, com botas e camuflado.

Ele aproximou-se de nós e o LL foi-lhe perguntar:

"O Sr. desculpe, mas sabe como chegamos ali a acima porque queríamos espetar umas coisas no chão para fazer uns ensaios?"


Ao que o homem responde:


"Vejam lá é se eu não vos espeto qualquer coisa!!" Dito isto, preparei-me para agarrar na minha mochila e começar a correr às curvas para o homem não me acertar com a sua caçadeira, que mais que provavelmente estava guardada na carrinha...


O LL, meio a medo, lá conseguiu explicar melhor o que era e o o "tropa" lá percebeu o que queriamos e disse que o chefe dele, outro tal de Engenheiro, não queria ninguem nas suas terras.


Satisfeitos por ainda termos a nossa dignidade (pouco) e a nossa saúde intacta, dirigimo-nos para o ponto 4 por outro lado. Ao chegarmos lá, vimos que tinhamos que deixar o jipe a uns 400m e carregar tudo à mão porque o caminho estava cheio de lagos onde o jipe se ia atolar de certeza e decidimos não arriscar.


Fomos para o ponto 3, onde conseguimos deixar o jipe a uns 60m, depois de termos invadido algumas cercas para lá chegar. Preparámos tudo e comecei a dar as marteladas. Nesa altura eu já so tava de T-shirt, visto o trabalho ser muito físico e eu já estar a suar por todos os lados. Ao dar uma das marteladas, consegui rasgar as minhas calças na parte de trás, desde o rego do rabo até quase ao joelho. Ao menos assim estava mais arejado e sentia menos o calor...

Lá conseguimos fazer o ensaio e antes de seguirmos para outro ponto, parámos à sombra do jipe pra almoçar...Eram 3 da tarde, já não comia desde que tinha saído de casa às 7 da manhã...


Depois de uns agradaveis 20min de pausa, lá fomos para o ponto 2. Voltas, voltas, e mais voltas....e mais um bocadinho de voltas, lá chegámos. Perdemos quase 2horas às voltas, entre cercas abertas e outras por abrir, caminhos enlameados,sitios onde o jipe esteve quase quase a atolar, indicações de campónios e pastores que por lá passavam, mas felizmente, sem mais ameças de morte...

Depois de muito demorar a escolher o sitio, lá encontrámos o lugar certo e começámos a fazer o ensaio. Eram 19h quando conseguimos acabar tudo, estava estupidamente escuro, estávamos no meio do nada, sempre à espera que algum pastor começasse aos tiros e sem ver a ponta de um corno...

Durante a viagem de volta para Lisboa, comecei a pensar... Estava num emprego que me obrigava a tar pronto pa trabalhar às 7h30, o trabalho era muito exigente fisicamente (além do peso todo do material, havia as inumeras marteladas e arrumar e desarrumar o material todos os ensaios...), não me pagavam as refeições, tinha que levar "sandes" de casa porque não havia restaurantes nem cafés no fim do mundo, nem há tempo para parar, tinha que comer sentado no chão ao sol ou à chuva, e se tivesse fora, como em Tras-os-Montes, teria que pagar almoço e jantar, se gastasse uma média de 15 euros por dia nisso, com os descontos para o IRS, eu estaria a poupar por dia cerca de 16 euros...por uma dia de trabalho árduo de 12horas?!?! Não me parece...

Chegámos a Lisboa perto das 20.45 e ao chegar à empresa para arrumar o material, felizmente o Engenheiro, dono da empresa, ainda lá estava, e aproveitei a situação para entregar a minha demissão, não era a pessoa certa para aquilo e já estava com saudades da minha casinha...

Foi o trabalho mais curto que tive, mas fiquei orgulhoso de saber dizer que não quando vi que estava a ser explorado.

Passado uns dias, fui lá receber o dinheiro do dia de trabalho, mas o Engenheiro até foi um gajo simpactico e pagou-me as 12h de trabalho e não só o dia, a menos isso!!

Viva o DESEMPREGO por vontade própria!!!

5 comentários:

sara disse...

PARABÉNS! Tás um homem! :)

Anónimo disse...

eu nao quero ser mauzinho...mas ainda bem que tens condiçoes para recusar essa merda de emprego.
tu podes...infelizmente há pessoas que nao teem outro remedio senao ser exploradas...

titiokrido da outra

K. disse...

Realmente agora que li os detalhes todos da tua curta(íssima) experiência laboral tenho que admitir que acho fizeste muito bem em demitir-te, não que precisasses que eu te dissesse isto. Trabalhar quase à borla também não é para mim. Arriscaria mesmo dizer que o pessoal da Terceira não se vende barato... Ainda para mais os geólogos!!!

Para o diabo (sim, eu sei que ele não existe) com os empregos de merda!

O noivo Titus disse...

É verdade, tenho a sorte ou o luxo de poder escolher se aceito este ou outro trabalho de merda. Mas se me posso dar a este luxo é porque trabalho há mais de 4 anos e porque tenho sabido guardar o dinheiro.

Vivo fora das asas dos pais há 2 anos e meio e mesmo nesta altura em que não tenho nenhum rendimento certo ao fim do mês eles não me ajudam em nada. Eles oferecem a ajuda, como dinheiro, refeições ou uma cama, mas não aceito, vou lá jantar, de vez enquando, com cada um deles mas mais nada.

Titio krido da outra, não escrevi isto chateado porque percebi o tom do comentário e sei que não era ofensivo, mas para quem não percebeu (algum dos outros 5 leitores do blog) queria deixar claro que faço estas escolhas mas continuo somente a depender de mim e todo o dinheiro que gasto fui eu que o ganhei.
Tive a sorte de sempre ter tido emprego nos últimos mas engoli sempre muitos sapos, já tive empregos em que entrava às 8 e saia às 20 ou mesmo entrar às 20 e saía às 8. E trabalhava 6 dias por semana. E mais recentemente, estive 9 meses em plataformas petrolíferas e por isso tudo sei o que é trabalhar no duro, muitas horas e muito exigente.
É por já ter vivido isto tudo, que acho que chegou a hora de bater com a mão na mesa e dizer que não aturo mais isto!!

E com muito orgulho, claro!

Anónimo disse...

Percebeste que nao era ofensivo... e percebeste mto bem.
Eu tenho é pena que existam pessoas que nao conseguem fazer o que tu fizeste...e o resultado é que assim a exploração irá continuar.

abraço
titiokrido da outra