quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Ego do tamanho do mundo

Na passada segunda feira, ao vir do poço para Hassi Messaoud, vi que na lista das pessoas que o avião ia apanhar em Timimmoun, além do meu bonito nome, estava um nome que parecia claramente português… JS (não confundir com JC, aquele miúdo que faz anos no fim do mês de Dezembro, que nasceu em Belém) de seu nome…

Ora quando lá cheguei, estive atento para ver se via algum português. À chegada, só vi pessoas com aspecto de locais (todos com aspecto de fome e de sede, pois o Ramadão começou no dia 1 de Setembro e isso significa que enquanto o sol não se puser, eles não podem beber, comer, fumar e pinar… Enquanto pensava nisso, estava eu a deliciar-me a comer a minha sandes, trazida do poço, com palmo e meio de comprimento e recheada de bifes de peru e a minha garrafa de agua, de litro e meio, bem geladinha…vidas…religiões…pancadas…), mas quando me disseram que era altura de embarcar lá fui eu… ao passar pelo detector de metais, vi um homem, com cerca de 60 anos a preencher os papeis de saída do aeroporto, com uma mochila que dizia Angola qualquer coisa… Calculei logo que fosse o português…

Fomos para a sala de espera e passados alguns minutos abriram as portas, estava na hora de ir para o avião… Como a pista está mesmo ali, somos nós que levamos as mochilas e as malas pela pista de aterragem. Eu fiquei para trás e à minha frente ia o suposto português… achei que era boa altura para meter conversa, por isso, arrisquei um…

“Você por acaso não é português não?” (isto em português…)

Ao que ele me olha com um ar espantadíssimo, como se eu tivesse falado em árabe… repito,

“Você é português?”

…. Continua a mesma cara de parvo…. Queres ver que me enganei? Tento agora em inglês…

“Where are you from? Portugal?”

Pela reacção dele, parece que a moeda finalmente tinha caído e se tinha feito luz…

“Sim…yes…” disse ele meio a medo… então em bom português eu disse,

“Bem me parecia que havia mais um português na lista dos passageiros…”

Ele aí sorriu, passou os sacos todos para a mão esquerda e dá-me um bom “passou bem” em plena pista… Apresenta-se e diz todo contente ao homem que o acompanhava que havia portugueses em todo o lado! (é verdade, nós somos os MAIORES!). Damos a mala para ser guardada no avião e sentamo-nos longe um do outro porque os lugares já estavam todos ocupados.

Tuca tuca, viagem de hora e meia até Hassi… ao aterrarmos, vamos buscar as malas e a conversa é retomada… pergunta ele:

“Então de que poço é que você veio?”

“Vim da Enafor40…”

Ah e tal, muito bem, conversinhas dessas… ao entrarmos no autocarro que nos ia transportar desde o avião até ao edifício do aeroporto (cerca de 50m… ridículo usar um autocarro para isso, mas também não sou eu que o pago, por isso…) pergunto-lhe:

“E qual é a sua função na Repsol?”

“uh… bem… eu trabalho na logística mas daqui a 3 dias vou subir de posição…uh… amanha (terça feira passada, ou seja, ontem) aqui o meu colega que viaja comigo, é o chefe da logística mas vai receber uma carta a dizer que vai ser despedido! Ele é que ainda não sabe…”

?¡!¿

Cá está, o típico português! Na quarta ou quinta frase que troca comigo já está a exibir e a deitar abaixo os outros! O homem ainda não tinha recebido a carta e ele já me estava a dizer que ia ficar a mandar em tudo!

Sorri e entrei para o autocarro sem saber o que dizer… deveria estar orgulhoso pelos tugas estarem a vingar na Repsol ou desiludido por sermos tão pequeninos ao ponto de termos que fazer chacota dos outros pelos nossos triunfos?

Quando estamos lá dentro, ele pergunta:

“Você vai ficar na Red Med?”, ao que respondo que sim. Ele continua “Então, lá para as 19.30/20h, a ver se nos encontramos no bar para beber um copo” (um bom português, quando conhece outro, esteja na terrinha ou no fim do mundo, pensa logo em ir beber uns copos!). Respondo que em principio pode ser…

Chegamos ao edifício do aeroporto, passamos por ele e vamos para os carros que nos esperam para dar boleia, cada um no seu, porque éramos, no total, 5 da Repsol por isso não cabíamos todos no mesmo. O carro dele ao entrar na base, vai para um sítio diferente do meu, por isso não o vi mais a seguir.

Fui ao meu quarto, posei as coisas e fui para o escritório. Estive lá umas horinhas, cumprimentei algumas pessoas e depois voltei para o quarto, tomei banho e fui jantar. Eram 19horas, talvez se fosse assim cedinho, não me encontrasse com o JS, o que me apetecia naquela altura era que me deixassem em paz e pudesse ir deitar-me na cama a ver um filme qualquer… tive sorte, não o apanhei, por isso pude ir fazer o que queria!


No novo dia, ontem, mais um dia para andar a fugir do JS…

Quando cheguei para o pequeno almoço, como ando aqui a fingir que trabalho, já todos tinham comido, por isso estive lá descansado… à hora de almoço, entro no restaurante e ele estava sentado logo numa das mesas à entrada, a acabar a sobremesa. Fui servir-me e quando já estava pronto para me ir sentar, reparei que ele já lá não estava, por isso pude ir sentar-me noutra mesa, sem peso na consciência! (e fui sentar-me na mesa de quem? Do Dixon, o tal indiano que acha estranho eu não estar enforcado, perdão, casado… mas desta vez, passou o almoço a dizer como trabalhava bem, como era competente, como tinha muito trabalho e como os outros são todos burros…).

Ao jantar, como me atrasei a tomar banho, lá o encontrei, já estava eu a comer a fruta (a fruta aqui na Argélia é muito boa!) e ele chegou… ao ver-me disse:

“ah, você está aqui sozinho... e também, já está a acabar de comer…”

“Mas se quiser, sente-se aqui que eu faço-lhe companhia” – sou tão atencioso e bem-educado!

“Não deixe estar, já me sentei ali com outro rapaz que também está sozinho…”

“OH YEAH!!” pensei eu, tentando reprimir o sorriso que teimava em querer sair…

Mas o JS não desarmou e disse “Mas daqui a 20min encontramo-nos lá fora para beber um copo…a não ser que vá já dormir…”

Eram 19.45, achei que não pegaria a história de já ir dormir…

“ah, OK, espero então lá fora…” ………… fdx…….

Lá esperei os tais 20min e fomos beber uma cerveja…

Ele, com a oportunidade de brilhar, depois de 2 ou 3 minutos de conversa mais formal, abre o livro e começa a dizer que tinha cerca de 117 anos de experiência a trabalhar em logística, dos quais 94 foram no petróleo, fala português, espanhol, francês e inglês perfeito, faz e acontece, como ele só há 10 a 12 pessoas no mundo, tem carta branca da Repsol para despedir quem quiser, vai dar uma volta nisto, os que trabalham com ele são quase todos incompetentes, os que não são incompetentes são burros, faz e acontece outra vez, e cenas assim… até se estava a gabar do quarto onde vivia na base, que a cama era enorme, quarto enorme, que está impecável e mais não sei o que… só faltou dizer que o quarto lhe sacava “bicos”… mas pouco faltou!

Depois de duas cervejas (eu só bebi uma) e vários cigarros (ele fumou uns 5 ou 6 cigarros. De todas as vezes ofereceu-me um cigarro e de todas as vezes eu disse que não fumava... também deve ter um problema de surdez…), lá consegui libertar-me daquilo e fomos para os quartos…

Fomos andando lado a lado para os quartos, até que ele me perguntou onde era o meu quarto… apontei, era no edifício mesmo à nossa frente… afinal, estávamos no mesmo prédio, onde os quartos são iguais! O mesmo quarto que eu disse que era bom e que tinha bom aspecto, o mesmo que ele disse que óptimo e maravilhoso…

Ele, o nosso JS, ficou com cara de peido, e lá desceu as escadas para o seu quarto no R/C e eu fui para o meu no primeiro andar!

Posso não fazer e acontecer, mas ao menos deixei-o calado sem dizer nada!

Hoje ao pequeno-almoço não o encontrei…mas ainda tenho o almoço e o jantar de hoje para andar a fugir…

Wish me luck!!

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